segunda-feira, 28 de abril de 2008

LHC parte II

Tal como tinha prometido, vou tentar dar-vos a minha opinião sobre a discussão que tem existido em torno da entrada em funcionamento do Large Hadron Collider (LHC) já este ano no CERN.
As questões de segurança levantadas por leigos e cientistas levaram a grandes debates na blogosfera e na comunicação social em geral. Existe uma preocupação crescente sobre as consequências hipotéticas das experiências de colisões, a energias nunca antes exploradas, e no caso do LHC, segundo os argumentos dos arautos da desgraça, podem ser criados micro buracos negros ou partículas com propriedades estranhas denominadas "strangelets" que por sua vez poderiam resultar num cenário apocalíptico.
É sempre complicado fazer afirmações com graus de incerteza muito baixo quando estamos a tratar de fazer investigação na vanguarda dos modelos teóricos existentes, mas segundo cálculos efectuados utilizando as teorias aceites pela comunidade científica, para criar um buraco negro com a dimensão do comprimento de Planck (10^-35 metros), utilizando a tecnologia de aceleradores actual, necessitaríamos de um acelerador circular com o tamanho da nossa galáxia. Se supusermos serem reais algumas extensões do modelo standard da teoria das partículas e teoria de cordas que propõem a existência de dimensões extra, poderíamos observar a criação de micro buracos negros no LHC com uma taxa de 1 por segundo. No entanto, e segundo a teoria de Hawking estes buracos negros evaporariam através da emissão de fotões gama em apenas 10^-42 segundos. De modo a que o buraco negro pudesse viver tempo suficiente para começar a absorver matéria teria que ser muitíssimo maior. O cientista Cliff Pickover, autor do livro Black Holes: A Traveler's Guide mostra no seu livro que um buraco negro com a massa do monte Everest teria apenas 10^-15 metros de diâmetro, o que corresponde aproximadamente ao tamanho de um núcleo atómico.
Um dos argumentos mais forte a favor da inocuidade do LHC prende-se com o facto de estarmos constantemente a ser bombardeados por partículas (raios cósmicos) com muito mais energia do que a que será acessível no LHC e nunca termos observado nenhum micro buraco negro nem outro tipo de fenómeno estranho. No entanto há quem diga que, devido à enorme velocidade com que estes raios cósmicos colidem com a nossa atmosfera, os alegados buracos negros e strangelets poderiam rapidamente sair do campo gravitacional da terra e daí nunca termos observado semelhantes fenómenos. Por outro lado, se eventualmente estes fenómenos ocorrerem no acelerador terrestre, a sua velocidade poderá ser menor que a velocidade de escape e estes ficariam inevitavelmente presos em órbita em redor da terra.

Para mim, embora seja óbvio que não temos razões para nos preocuparmos com estes cenários apocalípticos, acho muito bom que este tipo de discussão esteja a decorrer nos meios de comunicação social para o grande público. É uma oportunidade para que a comunidade científica aprenda a comunicar a ciência porque, embora a resposta mais simples seja dizer simplesmente "Não se preocupem e confiem em nós porque sabemos o que estamos a fazer", somos nós os primeiros a dizer que ninguém deve aceitar respostas baseadas apenas em fé, o que torna esta posição perante as dúvidas populares uma hipocrisia gritante. Esta discussão, no entanto, só poderá existir se houver do outro lado alguma vontade de realmente aprender a linguagem e as linhas de pensamento por detrás das teorias físicas, senão acabamos por cair numa discussão vazia de conteúdo que só leva a que haja um distanciamento ainda maior entre a ciência e as pessoas.
Para acabar com um tom menos pesado, deixo-vos com um apontamento humorístico publicado no blog Cosmic Variance em que o cosmólogo Sean Carroll pergunta aos leitores "O que responder quando nos perguntam se o LHC vai acabar com a terra" e embora a sua resposta seja um rotundo "NÃO" um dos seus leitores responde o seguinte:

"Claro que não, os cálculos são extremamente precisos na sua indicação que será TODO O UNIVERSO a ser destruído. Deixa de ser tão antropocêntrico!
No entanto ainda está em aberto se o Multiverso será destruído também."

terça-feira, 22 de abril de 2008

Dia da Terra

Hoje celebra-se o dia da Terra. Este dia serve para inspirar pensamentos e acções no que toca à apreciação do complexo e frágil ambiente terrestre.
Nos finais dos anos 60, a crescente preocupação com os assuntos do ambiente levaram a que o senador americano Gaylord Nelson do Wisconsin, numa conferência em Washington, declarasse que na primavera de 1970 se deveria organizar uma manifestação pública sobre os problemas do ambiente. O objectivo desta manifestação era meter este assunto na agenda política nacional, e embora o senador Nelson pensasse que era uma luta perdida o acto funcionou tão bem que o dia 22 de Abril passou a ser considerado o dia mundial da Terra.
Tendo em conta que os Estados Unidos da América ainda não ratificaram o tratado de Quioto, parece-me que precisamos de outro senador Nelson para voltar a meter este assunto na agenda. Ao que parece tanto o senador Obama como a senadora Clinton estão empenhados em tratar deste assunto com a maior urgência, por isso resta-nos esperar que um dos democratas ganhe as próximas eleições ou então teremos que seguir o caminho proposto por Nelson e manifestar-mo-nos contra o abuso do ambiente deste nosso planeta que, para já, é o único que temos.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

LHC parte I

Nos últimos tempos tem vindo a ser discutida, na maioria dos órgãos de comunicação social, a questão da segurança no que toca à entrada em funcionamento do LHC (Large Hadron Collider) agendada para daqui a poucos meses.
Para quem não sabe, o LHC é um acelerador de partículas situado no CERN em Genebra, Suiça. O acelerador em forma de anel encontra-se debaixo da terra a uma profundidade que varia entre os 50 e os 175 metros e tem 27 quilómetros de diâmetro. Ao longo do anel vão estar localizadas várias experiências cujos objectivos serão desde o estudo de interacções de iões altamente carregados até à procura do evasivo bosão de Higgs e outros fenómenos como a procura de dimensões extra, procura de candidatos a matéria negra e quem sabe a criação de micro buracos negros.
Para os interessados, aqui vão alguns factos sobre o LHC e uma das experiências mais importantes que decorrerão lá, o ATLAS.
  • Os protões que viajarão no LHC irão deslocar-se a uma velocidade de 99.9999991% da velocidade da luz.
  • Os protões percorrerão os 27 km do anel 11000 vezes por segundo.
  • O LHC gera 7 vezes mais energia do que qualquer acelerador existente até então.
  • A temperatura gerada no local de colisão corresponde à temperatura do universo, um bilionésimo de segundo após o Big Bang, o que corresponde a 100 000 vezes a temperatura do sol.
  • O detector do ATLAS pesa tanto como 100 Boeing 747 juntos.
  • O detector tem metade do tamanho da catedral de Notre Dame.
  • A informação proveniente do detector será de 3200 Terabytes, o que corresponde a 7 km de CD-Rom's empilhados.
  • O LHC terá 3000 km de cabos eléctricos e 122 km de fio supercondutor nos magnetos.
  • Trabalharão nesta experiência 2100 cientistas de 37 países diferentes e 167 universidades e laboratórios espalhados pelo mundo.
Deixarei para outro post a discussão sobre os assuntos de segurança, entretanto fiquem com um pequeno vídeo sobre a construção do detector.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Mapa mundo

Há pouco tempo deparei-me com um site que contém mapas do mundo onde podemos ver representadas diversas informações, como a população, a riqueza, o número de nascimentos, a educação etc...
Mas o que torna este mapa especial é que, em vez de mostrar essa informação através de uma legenda como na maioria, as áreas dos países são redimensionadas de acordo com o objecto de estudo. Por exemplo, se quisermos ver apenas a área relativa de cada país obtemos o mapa que tão bem conhecemos










Se no entanto estivermos interessados em saber como está distribuída a população mundial o resultado será representado da seguinte forma.










Obviamente, uma das primeiras informações que tentei obter foi o número de artigos científicos publicados por ano, e deparei-me com o facto estranho de, aparentemente, quase toda a ciência ser feita no hemisfério norte deste nosso planeta.










Para além da Austrália, um pouco do Brasil e África do Sul, aparentemente, não existem muitas publicações em revistas científicas nas terras abaixo do equador. No entanto podemos observar noutro mapa que, com a excepção de África, esta tendência estará a inverter-se. Representando o crescimento do número de publicações anuais em relação ao mesmo, 10 anos antes, podemos observar que aos poucos o hemisfério sul tem vindo a crescer cientificamente.










Resta-nos tentar ajudar os nossos companheiros africanos para que sigam a tendência dos restantes continentes. Partilhando o sentimento com o meu colega de profissão Neil Turok, está na altura de fornecer aos africanos as ferramentas para que eles possam sair pelas próprias mãos do estado caótico que centenas de anos de guerras e desunião criaram.
Quem sabe se daqui a uns anos não estaremos a celebrar o aparecimento de um "Einstein" africano?

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Porquê ler blogs na internet

Embora possam achar que ler blogs deste tipo na internet é uma perda de tempo, e que o autor devia aplicar o tempo que passa a escrever e a pensar no que escrever em coisas realmente úteis (como trabalhar por exemplo), não subestimem o poder da procrastinação. As probabilidades de que, no tempo que se supõe perdido a navegar na internet, se passe eventualmente por alguma informação que será útil no seu futuro, não é muita ... mas a boa notícia é que é proporcional ao número de horas que se passa a procrastinar. Por isso, se gosta da emoção de jogar, passe mais tempo a ler este e outros blogs sobre os temas que lhe aprouver, quem sabe se na hora em que mais precisar, essa informação não o irá ajudar!

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Anti-Hidrogénio

Através do romance de Dan Brown, Anjos e Demónios, o conceito de antimatéria ficou bastante conhecido do público em geral. Nesse livro, o herói corre contra o tempo para tentar salvar o vaticano de um ataque que envolve o roubo de um suposto reservatório contendo antimatéria de um laboratório do CERN. Como sabemos, quando uma partícula encontra a sua correspondente antipartícula, dá-se o fenómeno de aniquilação que é entre 100 a 10 000 vezes mais energético do que as reacções nucleares de fissão e fusão.
O que o autor não diz é que, devido à dificuldade de criar antimatéria em laboratório, se juntarmos toda a antimatéria criada em todos os laboratórios da terra e a aniquilarmos, a energia resultante não é suficiente para aquecer uma chávena de chá, e muito menos para explodir com a basílica de São Pedro.
Embora já seja relativamente simples criar feixes de antiprotões, não é nada fácil reduzir-lhes a energia de modo a conseguir que se combinem com antielectrões para criar antiátomos. Visto que o átomo mais simples que conhecemos é o hidrogénio (um protão com um electrão a orbitá-lo), o primeiro candidato a antiátomo é naturalmente o antihidrogénio, e pela primeira vez foi observada a sua criação em laboratório pelos físicos de Harvard, Gabrielse e colaboradores e reportada no fascículo deste mês da Physical Review Letters. Devido à dificuldade de arrefecer os antiprotões provenientes dos feixes de alta energia produzidos no CERN, alguns cientistas pensaram ser tecnicamente impossível parar os antiprotões e antielectrões durante tempo suficiente para que se pudesse criar antihidrogénio, mas Gabrielse e os membros da colaboração ATRAP (Antiproton Trap) que está em funcionamento no CERN, provaram que afinal é possível. Embora ainda não tenham conseguído isolar nenhum átomo de antihidrogénio, eles mostram neste artigo que não há dúvida de que estes estão a ser criados.

Quem sabe se estamos perto de ter uma nave movida a antimatéria como a enterprise da série Star Trek?

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Efeito Casimir Parte I

Vamos fazer uma experiência mental!
O que acontece se tivermos duas placas metálicas não carregadas, situadas bastante perto uma da outra (alguns micrometros) no vácuo?
Se utilizarmos qualquer teoria clássica veremos que não deverá existir nenhuma força entre as placas, para além da força gravítica que é suficientemente pequena para ser desprezável.
No entanto, segundo as teorias quânticas de campo, até o espaço vazio está cheio de fotões virtuais que constituem as oscilações do vazio, e como tudo na teoria quântica, também estes fotões terão que ser quantizados. A presença de duas placas junto uma da outra, cria condições de fronteira para a quantização do campo de fotões virtuais que se situam entre as placas.
O que acontece então é que, devido a essas condições fronteira, o espectro de energias possíveis de existir no meio das placas torna-se discreto, tal como no caso de uma partícula num poço de potencial infinito.
Isto significa que há uma pressão maior do lado de fora das placas do que do lado de dentro, o que resulta numa força atractiva entre as placas que varia com o inverso da quarta potência da distância entre as placas. Devido a esta variação com 1/(r^4) só a distâncias muito pequenas é que este efeito é sentido, sendo que a 10 nanómetros (mais ou menos 100 distâncias atómicas) o efeito casimir produz uma pressão de cerca de uma atmosfera nas placas.
O primeiro teste experimental deste efeito foi efectuado em 1958 por Marcus Sparnaay enquanto trabalhava na Siemens em Eindhoven, apenas 10 anos depois do físico holandês Hendrik B. G. Casimir ter proposto esta força, mas os resultados experimentais apresentavam uma incerteza tão grande que nem se conseguía concluir se a força era atractiva ou repulsiva. Finalmente, em 1997 e em 2001 experiências com excelente precisão foram efectuadas no laboratório nacional de Los Alamos e na Universidade de Pádua, respectivamente, e provaram a existência desta força misteriosa.
Existem bastantes implicações práticas, principalmente no que toca à construção de nanostruturas e circuitos miniaturizados, devido à existência deste efeito, mas deixarei este tema para outro post.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Filas de trânsito

Já se devem ter questionado sobre a razão de existirem filas de trânsito mesmo quando não existe nenhuma causa aparente (acidentes, etc). Desde que comecei a estudar física que pensei que talvez se pudesse explicar os fenómenos do trânsito através de equações do tipo Navier-Stokes (talvez quando tiver mais tempo volte a este problema). Hoje descobri que não sou o único interessado em perceber como é que estas filas aparecem.
Cientistas japoneses tentaram recriar as condições em que são criadas filas de trânsito, e embora as suas conclusões sejam bastante superficiais, já dá para concluir que a maior parte das vezes é o nosso tempo de reacção o responsável pelas longas horas de espera no caminho para o trabalho.
Afinal nós não ficamos presos no trânsito, nós somos o trânsito!
Pelo lado positivo agora já tem mais uma desculpa para chegar atrasado, ficou preso numa onda de compressão.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Onda Curta

Com certeza já ouviram falar da criação de pulsos de luz extremamente curtos, da ordem das centenas de attosegundos (1 attosegundo = 0.000000000000000001 segundos ou seja 10^-18 segundos). Estes pulsos de luz contêm vários fotões e podem ser vistos como uma série de oscilações do campo electromagnético.
Cientistas em Harvard conseguíram produzir um pulso com uma duração de 65 femtosegundos (10^-15 s) mas que é constituído por um fotão apenas. Este fotão foi criado através do processo de "down conversion", em que um feixe laser, com um comprimento de onda de 415 nm, é feito passar através de um cristal especial e um dos fotões do feixe laser transforma-se em dois fotões com 830 nm cujo estado quântico se encontra entrançado "entangled".
Através da minimização dos efeitos da correlação quântica, os investigadores conseguíram obter fotões com excepcional qualidade e curta duração. Para além da duração de 65 femtosegundos o fotão tem o "comprimento" de cerca de 20 microns (10^-6 metros).

Um dos autores do trabalho, Peter Mosley, diz que esta experiência representa a primeira vez em que um pacote de ondas, tal como os vemos nos livros de texto de mecânica quântica, contendo um único quantum de energia, é produzido em laboratório. Poderá ler mais sobre este tema no artigo original que será publicado este mês, (Mosley et al., Physical Review Letters).